Jazz
- Raphael Prazeres
- 20 de ago. de 2022
- 3 min de leitura
Me peguei pensando nos últimos dias sobre minha história, revisitando o passado para postar algo por aqui..
Daí pensei que talvez seja uma história longa demais para um post. Falar do eu fora do divã sempre gera um certo receio, um desconforto. É missão difícil, já que somos e ainda podemos ser tantas coisas, e não estamos protegidos aqui como na experiência da análise, que apreende melhor que qualquer outra a transitoriedade da vida.
Bom.. Dito isso, talvez seja possível então contar algo decisivo para surgir um sujeito que ama viver intensamente a experiência da psicanálise, talvez seja possível contar como surge o Raphael psicanalista, e pretendo ir contando ao longo dos dias e dos posts.
Em psicanálise costumamos dizer que a história do sujeito não começa em sua história propriamente dita, mas sim em sua pré-história.
E se existe um momento em que um sujeito se torna analista, ( se é que é possível localizar este momento, pois ele não está garantido por um pedaço de papel como em outras profissões) certamente foi marcado pelo meu encontro com a musicalidade do Jazz.
Antes de decidir fazer minha formação em psicanálise em sentido mais formal ou colocar os pés em uma faculdade de psicologia, eu era músico apaixonado. Vivia tocando, vivia batucando por aí .. onde tinha música, lá tava eu, enérgico!
Eu já era músico que sabia ler partituras, que com certo rigor nos estudos, era capaz de manter as notas que já estavam escritas dentro de cada um dos compassos, cada nota da pauta era tocada com um bom nível de precisão e exatidão. Já tinha tocado Mozart e Beethoven, que não me leve a mal, me davam muito divertimento, mas logo fui percebendo que a performance musical perfeita, era exatamente aquela que seguiu com perfeição o “script” e a música saiu igualzinho àquilo que foi planejado. E isso só pode ser interessante até um certo ponto, né ? Algo muito maior estava por vir, para mim, nada se comparava a liberdade do Jazz.
Jazz é música de improviso , nenhum solo está escrito ! Se inventa tudo na hora em cima de uma ideia que até já existia, mas o que é tocado e como é tocado, é inventado na hora e no encontro com o outro , sempre inédito, é feito no ímpeto, no ato ! E vejo mais proximidades assim com a vida. Não existe tocar duas vezes o mesmo tema sem que algo saia diferente , é no singular que está o belo! Há de se ter escuta: para ser um bom instrumentista de jazz e para ser um bom psicanalista a delicadeza é a mesma: se trata mais de escutar o outro do que se fazer mais ouvido por ele. Jazz ( ou psicanálise) é um diálogo gostoso, um trompetista que escuta delicadamente o solo de seu amigo antes de prosseguir com notas fortes, Jazz é “ ter a manha” de tocar baixinho para que o outro seja ouvido. O paciente que faz seu solo ao divã, cria, inventa, nada sai como o planejado! Algumas notas soam como consonantes, outras dissonantes, e a musicalidade da voz do paciente vira afeto ao ser escutado, se transforma em novas melodias, novas possibilidades.
Neste espaço vamos falar de psicologia e psicanálise, música, literatura e cinema. Desejo compartilhar textos, publicações e abrir um espaço para diálogo sobre a vida cotidiana.
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